Falsificação de DNA?

Baseado em um artigo de um grupo de pesquisa israelense, vários sites de notícia publicaram matérias afirmando que é possível fabricar evidências de DNA. Será que devemos nos alarmar e, assim, deixar de confiar nos confrontos de perfis genéticos?

Esse foi o questionamento que meu amigo Gabriel Cunha me fez ao discutirmos o artigo publicado na Forensic Science International: Genetics. A sadia troca de idéias resultou em um post muito interessante no blog que ele escreve, intulado RNAm (confira esse post, vale a pena). Há ainda uma matéria de mesmo teor na INFO Online, muito bem escrita por Paula Rothman.

Em síntese, por meio de uma técnica de amplificação de DNA genômico (WGA, para os entendidos), os israelenses conseguiram criar muitas cópias do genoma de uma pessoa X e colocar tal produto da amplificação no sangue de uma pessoa Y após extrair as células nucleadas de tal amostra sanguínea. A fake evidence (como os americanos têm chamado o “sangue falso”) seria composta de plasma e hemáceas (que são anucleadas, portanto não possuem DNA) da pessoa Y e DNA amplificado da pessoa X. Com base nos protocolos empregados nos laboratórios de genética forense (STR, VNTR, …), a determinação do perfil da amostra apontaria para a pessoa X. Isso poderia abrir precedentes nunca antes vistos nos casos em que o DNA matou a charada.

Há, entretanto, como distinguir o DNA celular do fabricado in vitro. O primeiro possui regiões metiladas, ao passo que o segundo não. Uma análise da metilação, portanto, poderia determinar se a informação obtida por aquela molécula é válida ou não.

Penso que existe uma forma bem mais simples de fazer tal diferenciação. Basta lembrar de Leone Lattes que, em 1915, desenvolveu um método para determinar a tipagem sanguínea do sistema ABO em manchas de sangue encontradas em locais de crime. Lembremos que as proteínas A e B que determinam a tipagem ficam ancoradas na membrana das hemácias. Como citado, a amostra de sangue falsa criada pelo Dr. Frumkin, autor do artigo em questão, era composta DNA de X e hemácias de Y. Logo, na comparação das amostras biológicas, o perfil genético apontaria para X, mas a tipagem no sistema ABO corresponderia a de Y.

Claro que seria possível um meliante doutor em genética molecular usar sangue de um doador de mesmo tipo ABO que daquele que se quer incriminar. Porém, o sistema ABO é apenas um dos sistemas utilizados na tipagem sanguínea. Há, pelo menos, outros vinte.

Portanto, ao contrário do que se alarmou nos sites de divulgação científica, não é tão fácil assim produzir uma prova falsa baseada em DNA. Analisando o artigo, fiquei com a impressão de que o Dr. Frumkin quer criar uma demanda para vender um produto exclusivo e, assim, ganhar dinheiro. Digo isso porque o autor é o fundador de uma empresa chamada Nucleix que desenvolver uma técnica para determinar se uma amostra de DNA possui ou não metilação. Aos meus olhos, ficou evidente que a Nucleix pretende vender essa tecnologia para laboratórios criminais determinarem se a amostra é falsa. Aposto que, hoje, a chance de encontrar uma amostra falsa não é maior que 1 em 1 trilhão. Tal abordagem seria de fato útil com que freqüência nos dias atuais? Mas criando a demanda, essa freqüência poderia aumentar.

Por ora, não há muito com que se preocupar. Quem sabe no futuro?