Galileu e a justiça à ciência

Galileu frente ao tribunal da inquisição Romana, pintura de Cristiano Banti

Este post não está diretamente relacionado a métodos periciais, mas tem repercussões interessantes no que tange a interface entre ciência e justiça. Em meados do século XVII, Galileu Galilei foi julgado por um tribunal da Inquisição por defender idéias “absurdas” referenciadas no heliocentrísmo. Essa é, sem dúvida, uma passagem histórica interessante. Sobretudo à filosofia e história da ciência.
Durante minha graduação, um professor solicitou que fizéssemos um comentário sobre tal julgamento, ponderando a opinião de pessoas que não estivessem envolvidas no meio das ciências naturais. Pensei em questionar alguém da área do direito para ponderar minhas observações. Foi assim que um então estudante do quinto ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco, chamado Rodrigo Rodrigues Dias, topou o desafio e me escreveu a respeito. O que transcrevo abaixo são seus comentários:
Em que pese desconhecermos a legislação vigente, em especial à atinente ao Direito Canônico Medievo, na época em que a sentença que condenou o cientista e astrônomo Galileu Galilei foi prolatada, arriscaremos traçar algumas considerações, tergiversando a seu respeito.

A primeira observação que se faz mister acentuar é que, no decorrer do decisum não consta o fundamento legal ou seja o texto de lei no qual se baseia a condenação ou no qual está prescrito o ilícito perpetrado por Galileu.

Nulla poena, nullo crime sine lege. Não existe delito ou pena caso inexista lei que defina, à época em que a conduta foi realizada, descrição desta como ilícita e cominação de respectiva pena.

O que se verifica é a menção às Sagradas Escrituras, de forma genérica sem fazer menção, ao menos onde e se que forma as mesmas foram infringidas.

A face repressiva do Direito, a qual mostra-se em sua plenitude no ramo do Direito Penal, não tem a arbitrariedade como qualidade. Ao contrário, existe um arcabouço de garantias que podem ser resumidas, a grosso modo, no devido processo legal, assegurando-se o contraditório e a ampla defesa.

No Direito Penal os princípios da legalidade, da anterioridade e da taxatividade fazem do ato de punir discricionário, impondo um limite à subjetividade do julgador.

Por taxatividadade entende-se que o tipo penal deve ser preciso e claro, delimitando a conduta. Qual a razão de ser absurda a afirmação de que o sol é o centro do mundo e de que permanece imóvel? E por que é errônea na fé a afirmação de que a Terra não é o centro do mundo?

Como se pode falar em ampla defesa se o acusado desconhece os motivos por trás da acusação que lhe é impingida? Ou como defender-se de ilícitos que nem se sabe onde estão previstos?

Nesta breve exposição não foi levantado qualquer aspecto que já não fosse de longo conhecimento geral, vale dizer, as abusividades, arbitrariedades e a prejudicial celeridade que caracterizavam os trabalhos levados a efeito pelo Santo Ofício.

O que se pretendeu, apesar de ignorarmos as peças processuais que precederam a sentença, foi levantar alguns aspectos jurídicos atuais, que apesar de pouco considerados pelos Tribunais da Inquisição tem seu desenvolvimento iniciado já no Império Romano.

É por essas e por outras que a Idade Média é intitulada ‘Idade das Trevas.’
Rodrigo Rodrigues Dias – 5o. Ano da Faculdade de Direito do Largo São Francisco/USP, 2000
Nada mais justo que finalizar esse post com uma frase atribuída a Galileu: “E ainda assim ela se move!”