Nas últimas semanas a imprensa tem divulgado que a taxa de homicídios tem caído no estado de SP. Vejo essas divulgações com certa ressalva. Claro que todo plano de gestão em segurança pública deve considerar informações criminais, como resgistros de ocorrência, o que leva a um modelo reativo de policiamento. Esse foi objeto de discussão de Marcos Rolim em seu livro A Síndrome da Rainha Vermelha: Policiamento e Seguraança Pública no Século XXI.
Em um dos capítulos do referido livro, Rolim expressa brilhantemente as ressalvas a que me referi a pouco. “O primeiro problema no uso desses dados é que eles nunca refletem o volume real ou aproximado dos crimes praticados, mas, na melhor das hipóteses, daqueles que foram reportados à polícia. Por isso, ainda que os registro de ocorrência possam oferecer um instrumento importante de avaliação ou mesmo dados úteis dentro de certos limites, uma política de segurança que se baseia neles será sempre limitada, porque estará estruturada em dados que expressam uma distorção evidente. Nesse sentido, não deixa de ser impressionante que ainda hoje, no Brasil, se procure estabelecer iniciativas na área de segurança a partir do exame desse tipo de material e que os órgãos de imprensa sigam realizando coberturras e reproduzindo ‘conclusões’ a respeito do aumento ou da diminuição da criminalidade com base em boletins de ocorrência.”
Outra observação pertinente é que nem sempre uma diminuição nos registros de criminalidade equivale a uma redução da criminalidade. Marcos Rolim aponta que “Uma diminuição do trabalho policial, uma maior desatenção daqueles encarregados dos registros, denúncias de corrupção, violência policial, etc. implicarão uma queda no número de ocorrências. No entanto, essa queda não terá ocorrido na vida real“. Evidentemente, o contrário também é válido, isto é, o aumento do número de registros policiais não necessariamente reflete em deficiência na política de segurança pública. Nas palavras de Rolin, “Dados criminais registrados pela polícia podem aumentar significativamente, por exemplo, caso o trabalho policial se faça mais presente junto às comunidades, ou caso a polícia inaugure novos serviços. Assim, uma estratégia de policiamento comunitário que reforce os vínculos de confiança entre os cidadãos e a polícia permitirá que uma parte importante das subnotificações criminais torne-se conhecida a partir de novos registros“. Como se vê, nessa hipótese a ascenção dos fatos criminosos reportaados não está relacionado ao aumento da criminalidade, mas sim em decorrencia de uma melhoria nos serviços policiais.
Não se pode ignorar o fato de que, no Brasil, boa parte da notícia do crime (nottitia criminis) advém do reportar das próprias vítimas ou de seus familiares. Isso quer dizer que os registros muitas vezes estão condicionados à vontade da vítima em reportar, ao comportamento vitimológico. Assim, fatores externos à segurança pública podem influenciar na mudança do comportamento da população de vítimas, de maneira a incentivar ou inibir o noticiamento criminal. “Determinadas condutas antes toleradas ou sequer percebidas como criminosas passam a ser comunicadas à polícia. Ou, ao contrário, fatos anteriormente registrados deixam de sê-lo, dependendo da atenção e do destaque conferidos pela mídia a eles, por exemplo“, relata Rolim. O comportamento da polícia também pode ser determinante, quando, a exemplo, casos de homicídio passam a ser registrados com morte a esclarecer, reduzindo, assim, a taxa de homicídios.
A heterogeneidade geográfica também concorre paraa a interpretação desses dados. Em SP, as regiões possuem demandas específicas, com necessidades diferentes e localizadas. Considerando os números que apresentei aqui no CCC sobre o “Relatório de Análise Retrospectiva de Casos Atendidos“, cá na área atendida pela EPC Americana, a taxa de homicídio é bem superior a reportada para o estado de SP. Observando os números, temos uma taxa de homicídios próxima de 47 por 100mil habitantes; bem maior que os 14,9 reportados para o estado.
Enfim, dados estatísticos muitas vezes mostram conclusões que não aplicam à realidade. Nas palavras de Rolin, “Quando examinamos dados estatísticos devemos ser, sempre, muito cautelosos (…) porque iremos nos deparar muito frequentemente com somas que expressam apenas aquilo que alguém desejou expressar, e nada mais“.
PS- Recomendo o livro. É muito interessante para aqueles que apreciam uma boa leitura sobre Segurança Pública.
PSS- Antes que alguém pergunte: Não, não ganho nada pela divulgação do livro; sequer conheço Marcos Rolim. Mas não é por isso o livro deixa de ser bom.