“A propaganda é a alma do negócio” e existem várias maneiras de propagar uma ideia. Uma delas envolve a criação de um modelo, um ícone que caracterize a ideia a ser difundida. Em seguida, há de se produzir material para a propagação e se busca meios de distribuir esse material. O esforço para a produção e distribuição é quase sempre o que encarece o processo. A não ser que se utilize de inventividade e se convença alguém a produzir e se faça os outros distribuírem de forma quase compulsória.
É mais ou menos isso que um grupo de pessoas ligadas ao ex-presidente Lula tem feito. Recentemente, começou a circular pelas mídias sociais um vídeo (vide abaixo) em que pessoas carimbam cédulas de Real com uma face barbada e a frase “LULA LIVRE”. Cédulas de Real representam um valor econômico circulante que, estigmatizadas por um carimbo, passam a veicular quase compulsoriamente uma ideia, tornam as cédulas panfletos que o cidadão não tem a escolha de não aceitar.

Mas esse tipo de iniciativa não é novidade. Na década de 1970, algumas cédulas de Cruzeiro (moeda nacional de então) começaram a circular carimbadas com a frase “QUEM MATOU HERZOG?”, atribuídas ao artista plástico Cildo Campos Meireles, como parte de um projeto denominado Inserções em circuitos ideológicos. A frase era emblemática não apenas por ter um caráter clandestino ao “sujar” as notas, mas também porque colocava em cheque as circunstâncias da morte do jornalista Vladimir Herzog que, apesar de vestígios apontarem para homicídio, foi atribuída a um suicídio pelos órgãos de segurança da época.
Parece que Cildo Meireles fez escola, e seus reflexos persistem ainda hoje. Antes do “LULA LIVRE”, cédulas de Real já apareceram com outras marcas carimbadas, como “FORA TEMER” (e sua variante “FORA TEMER GOLPISTA”), “CADÊ AMARILDO?” e “QUEM MATOU MARIELLE FRANCO?”.

Por que precisamos discutir esse assunto? Bem, há pelo menos dois aspectos de interesse que vão ao encontro do escopo deste blog: primeiro que deteriorar cédulas é crime; segundo que este crime deixa vestígios.
Cédulas e moedas de Real são consideradas patrimônio da União (não a marca de açúcar, mas a pessoa jurídica que representa o Governo Federal e a República Federativa do Brasil, prevista no artigo 18 da Constituição Federal de 1988). Considerando que o artigo 163, inciso III do Código Penal tipifica como crime “Destruir, inutilizar ou deteriorar” o patrimônio da União, então o carimbaço “LULA LIVRE” é a prova de um crime.
Mas como a perícia pode auxiliar neste caso? De varias formas. As mais evidentes estão relacionadas à análise e ao confronto da tinta utilizada em cada nota, verificando se são do mesmo tipo, se tem a mesma composição e, eventualmente, ligando-a a uma almofada de carimbo ou ao menos à tinta que nela se encontra. É também possível avaliar as características de cada marca e buscar irregularidades, pequenos defeitos presentes no desenho de modo a apontar a possibilidade de existir uma ou mais matrizes (carimbos) sendo utilizadas.
A terceira é mais interessante: no vídeo aqui apresentado, consta o diálogo de pessoas e, havendo suspeitos, é possível confrontar a voz dos interlocutores com suspeitos apontados pela investigação. Isso é possível por conta de minúcias da fala humana, trejeitos vocais e maneirismos que permitem a individualização. É um exame demorado, detalhado e que exigem muita atenção do profissional que normalmente é um perito criminal com experiência em fonética forense.
Outra possibilidade é o confronto das características individualizadoras presentes nas imagens com aquelas notáveis em suspeitos. Alguns exemplos são a morfologia das veias superficiais e aparentes, além da morfologia e distribuição relativa de nevos (“pintas” na pele). É uma abordagem clássica da perícia criminal em que se tem um padrão conhecido (oriundo do suspeito) e uma amostra questionada (extraída do vídeo e que se quer saber a origem).

Cá entre nós, é pouco provável que uma linha de investigação seja iniciada para apuração deste crime. Espero estar errado quanto a isso, mas o intuito aqui não foi de noticiar o crime (já que isso foi maciçamente explorado pela mídia), e sim mostrar que alguns aspectos materiais relativamente simples poderiam ser analisados pela perícia.
Independentemente da ideologia e da sagacidade de usar uma cédula para difundir uma ideia, o feito é conduta típica e, portanto, não deve ser coadunada pela população de bem. Porém, sendo praticada esta conduta, um pouco de investigação e de análise pericial pode apontar a autoria e as circunstâncias do crime. Fica a orientação: não carimbe ou danifique de qualquer forma cédulas e se por descuido você tiver uma cédula carimbada, apresente à rede bancária para substituição.