O corpo de uma mulher é encontrado próximo de um lago nas margens de uma floresta, em uma localidade remota da Suécia. A mulher havia saído para passear com seu cão horas antes de seu marido notar sua ausência e encontrar seu cadáver. O corpo foi encontrado com lacerações nas pernas e lesões contusas na face e tronco. As vestes da vítima encontravam-se cortadas e amassadas.
Para os peritos criminais, o cenário descrito seria clássico de um homicídio. A vítima teria sido agredida com instrumento corto contundente e falecido no local. Neste caso, um cuidadoso processamento do local do crime e do corpo seriam realizados.
E foram.
O interessante é que neste caso, o homicida não era humano. Não, não estamos falando do Predador. Nem de violentos seres ocultos caçadores de cadáveres como os White Walkers.
Este caso foi relatado no volume 63 do periódico Journal of Forensic Sciences por pesquisadores suecos, em 2017.
Em um relato de caso bastante rico em termos de técnicas em criminalística, os peritos que examinaram o local e a vítima encontraram evidências que levaram a crer que o homicida se tratava de um cervídeo, mais precisamente um alce!
Os alces são os maiores cervídeos conhecidos, podendo atingir até 2m de altura e mais de 700kg, comuns nos países nórdicos. Não são animais considerados agressivos, mas podem apresentar este comportamento se provocados, em períodos reprodutivos ou caso as fêmeas estejam acompanhadas de sua prole.
No caso em questão, o exame do cadáver revelou a presença de lesões contusas na cabeça, fraturas múltiplas das costelas, na região lombar e na tíbia e fíbula direitas. Escoriações e contusões foram observadas espalhadas em todo o corpo. Além destas lesões, chamou atenção dos legistas a presença de uma perfuração circular e uma laceração alongada no braço direito e de extensas lacerações na porção externa da coxa e perna direita, apresentando fragmentos de grama em meio à musculatura lacerada. A causa da morte foi determinada como “flail chest” um termo utilizado para denominar instabilidade torácica que ocasiona dificuldade respiratória devido a fratura de costelas, o que dificulta a pressurização da cavidade onde se encontram os pulmões.
O estudo das manchas de sangue encontradas no local permitiu determinar que a vítima teria sido golpeada na mesma região onde foi encontrado seu cadáver. Alguns fios delgados semelhantes a cabelos foram encontrados na face da vítima, revelando-se após análise microscópica (por tricologia comparativa), pertencerem a um cervídeo. A partir dos pelos foi extraído DNA mitocondrial para determinação da espécie, concluindo-se tratar de pelos de alce.
Especialistas em alces da Universidade Sueca de Ciências de Agricultura foram consultados e verificaram que as lesões apresentadas eram compatíveis com o que se espera do comportamento agressivo destes animais. De fato, o incidente teria ocorrido em época próxima ao período de cio da espécie, fato que aumentava a probabilidade dos ataques. Nestes ataques, os alces abaixam suas cabeças, escornam (sim, este é o termo para ferir com os chifres) as vítimas e as atingem com suas patas dianteiras. Este comportamento poderia ocasionar a presença de saliva do animal nas vestes da vítima. Os investigadores então coletaram amostras das manchas encontradas na camiseta e na jaqueta da vítima, de onde também obtiveram o DNA do alce.
Todos os achados periciais levaram a considerar a morte como acidental, ocasionada pelo ataque do alce. Possivelmente, a vítima passeava com seu cão sem coleira, quando este atraiu o alce para ela ao buscar sua proteção. Infelizmente, o alce nunca foi encontrado para prestar esclarecimentos.
Muito interessante como um ataque de animal pode inicialmente ser confundido como um caso clássico de homicídio, não é mesmo?
Outros relatos de casos bastante interessantes podem ser encontrados na literatura, como a tipologia de lesões provocadas por ursos japoneses e os aspectos traumatológicos de lesões provocadas por tigres e leões.
Autores do Japão expuseram em um relato de caso publicado no volume 286 da revista Forensic Science International de 2018, os padrões de lesões provocados por ataques de ursos daquela região. Interessantemente, ao contrário do que se imaginava, estes animais acabam utilizando muito mais as suas garras das patas anteriores do que as mandíbulas. Devido à força que apresentam, eles acabam ocasionando graves contusões na cabeça e no pescoço, acompanhadas de escoriações e lacerações características, ocasionando a morte na maioria dos casos por choque hipovolêmico, quando ocorre a perda de grande volume de sangue.
Neste estudo, os autores observaram diferenças em relação às mortes provocadas por grandes felinos. Nos casos de leões e tigres, as lesões que ocasionam a morte apresentam características perfuro contusas, em geral associadas a ação dos caninos e à grande força mandibular que estes animais apresentam, sendo encontradas na grande maioria das vezes na região da cabeça e do pescoço. Incisões são geralmente encontradas na região superior do tronco, correspondendo a posição mais atingida pelas garras das patas anteriores. Estes animais miram diretamente a região da cabeça, buscando o pescoço de suas presas (veja nesse vídeo um tigre buscando o pescoço da presa e rapidamente a imobilizando), ocasionando rapidamente a sua morte, seja por sufocamento, por lesão da coluna na região cervical ou por choque hipovolêmico (em poucos casos). As lesões nos grandes vasos do pescoço são bastante comuns. Os animais utilizam seu peso e as pernas anteriores para projetar as presas no chão, mordendo-as no pescoço.

O estudo destes raros casos pode ser bastante interessante para os peritos criminais, possibilitando a análise das características das lesões provocadas, em especial sua morfologia e localização no corpo da vítima, particularidades estas que auxiliam muito no diagnóstico deste tipo de acidente.
Pode ser que você esteja pensando que este tipo de estudo não tem relevância no Brasil, já que por estas bandas não temos ursos, nem tigres e leões. Ledo engano, nobre leitor! Apesar dessas espécies não ocorrerem em território brasileiro, temos aqui outras espécies de felinos capazes de provocar lesões semelhantes, especialmente a onça pintada, que ocorre em quase toda a América Latina.
Saiba mais
Gudmannsson, P. et al. A Unique Fatal Moose Attack Mimicking Homicide. J. Forensic Sci. 2017.
Datko, M. et al. A fatal lion attack. Forensic Sci Med Pathol. 2014.