Veículos Autônomos – Quão perto estamos? E o que será da perícia em acidentes de trânsito?

Quando se fala em veículos autônomos qual a primeira imagem que vem na cabeça? Para a maioria das pessoas, pensar no uso de um veículo autônomo representa a possibilidade de usar o tempo que se utiliza ao volante para o desempenho de outra atividade, como ler um livro enquanto se desloca. Algo como o que é representado na imagem abaixo:

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A imagem parece retratar o objetivo daqueles que se propõe a mudar completamente o conceito de trânsito, veículos, direção, responsabilidade, multas, e seja lá mais o que se pode imaginar. Podemos realmente dizer que estamos falando do futuro.

Mas quando o conceito de veículo autônomo foi inicialmente pensado? Acreditem ou não, essa história começou bem antes da gigante Google e outros: em 1939 a General Motors apresenta o conceito em uma feira mundial na cidade de Nova Iorque.

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Exposição da General Motors, Pavilhão Futurama“Highways & Horizons”, Feira Mundial de Nova York, 1939. Os visitantes percorreram alguns metros em  cadeiras equipadas com áudio de onde puderam observar um modelo em escala de 35.738 pés quadrados (equivalente a 3320 metros quadrados) de um mundo imaginado de 1960, completo com rodovias automatizadas . As seções incluíam cidades, áreas rurais e áreas industriais. Crédito: General Motors.

A saga e a imaginação percorreram as décadas seguintes:

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Carro sem motorista no futuro, anúncio de “Empresas de eletricidade e luz elétrica da América”, Saturday Evening Post, 1950. Crédito: The Everett Collection

Em 1980, o alemão Ernst Dickmanns teria conseguido o feito histórico, fazer uma van Mercedes-Benz dirigir centenas de quilômetros de rodovia de forma autônoma, um feito tremendo, especialmente com o poder da computação da época.

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Creditos: ©Ernst D. Dickmanns. All rights reserved www.dyna-vision.de

Em todo o mundo, dezenas de outros pioneiros adicionaram suas próprias melhorias.

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Laboratório de Engenharia Mecânica Tsukuba, Japão, 1977. Este carro sem motorista, pioneiro e computadorizado, alcançou velocidades de até 20 milhas por hora (aproximados 32 km/h).
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Projeto ARGO, Universidades de Parma e Pavia Uma ramificação do projeto europeu PROMETHEUS, a equipe de ARGO dirigiu seu carro de teste Lancia Thema 1200 milhas (1931 km) ao redor da Itália em 1996, 94% do tempo no modo autônomo.

Em 2004, a Administração de Projetos de Pesquisa Avançada de Defesa dos EUA (Defense Advanced Research Projects Agency – DARPA) desafiou dezenas de equipes que trabalhavam em veículos autônomos para concorrer a um prêmio de um milhão de dólares.

A gigante Google entra de vez na corrida no ano de 2009.

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Fonte: waymo.com

Em 2012 a Google já tinha no seu currículo mais de 300.000 milhas (mais de 483 mil km) auto-dirigidas

Veja uma declaração que consta no atual projeto da Google intitulado WAYMO

“Adicionamos o Lexus RX450h a nossa frota e continuamos a conduzir em auto-estradas com os condutores de teste. Convidamos alguns funcionários do Google a iniciar testes iniciais de nossa tecnologia em rodovias, usando nossos carros para viagens de trabalho e de fim de semana.” Fonte: https://waymo.com/journey

Veículos autônomos atuais

Você pode comprar um carro autônomo hoje. Ele é chamado de Navia, contudo, existem alguns limites. Ele é projetado apenas para ambientes fechados, como um resort, e sua velocidade máxima é de 12 milhas por hora (aproximadamente 19km/h), ou quase o mesmo que carros movidos a gasolina em 1895. Se você não está pronto para comprar seu próprio Navia – afinal, custa US $ 250.000 – você ainda pode andar em outro exemplo no aeroporto de Heathrow, em Londres.

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À esquerda, modelo comercial do Navia. À direita, modelos autonomos circulantes no aeroporto de Heathrow, Londres.

Não se esqueça de que mais e mais recursos autônomos também vêm como opções em carros convencionais de última geração, como os BMWs e os Volvos que contém recursos tecnológicos que mantêm os carros na pista, estacionamentos e freios de emergências. Enquanto seus fabricantes preferem salientar que tais carros aumentam sua habilidade na direção, em vez de substituí-lo, alguns sistemas estão ficando tão poderosos que as distinções se confundem.

O Google, é claro, é talvez a empresa mais famosa trabalhando em sistemas autônomos na busca por plena autonomia de veículos para a estradas abertas, como uma meta explícita. Mas da Toyota à Nissan, várias outras empresas estão silenciosamente perseguindo sonhos muito semelhantes. Vinte e nove Estados americanos já promulgaram legislações relacionadas a veículos autoguiados. Será que o futuro autônomo não chegará com um estrondo, mas tão gradualmente que nós mal notamos?

Como funciona essa transição e o que é necessário para um veículo ser autônomo

A transição gradual é a forma mais provável que aconteça, com veículos “adquirindo” características autônomas aos poucos, em níveis. Hoje, diversos veículos comercializados no mercado nacional já possuem algum controle automatizado, como é o caso das funções de cruise control no qual o carro mantém uma determinada velocidade pré-programada pelo usuário. Mas os níveis de automatização podem ser muito maiores:

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Fonte: Dirk Smith

De forma bastante simples e objetiva, um veículo autônomo tem de ser capaz de entender o ambiente e reagir de maneira adequada a ele. Para isso, são necessárias três coisas:

  • Um sistema de GPS muito parecido com os que encontrados em veículos de hoje;
  • Um sistema para reconhecer condições dinâmicas na estrada (pessoas, obstáculos, etc);
  • Uma maneira de transformar as informações dos outros dois sistemas em ação durante a viagem.

GPS

Esta é uma parte vital da autocondução. Este sistema “define” a missão do veículo autónomo, definindo o ponto inicial e final da unidade. O sistema é capaz de “enxergar” todas as estradas e rotas, escolhe o melhor caminho e é muitas vezes melhor do que pessoas fazendo isso.

Apesar dos mapas nunca (ou raramente) mudarem, a realidade das estradas e ruas é bem dinâmica: podem aparecer desvios, tráfego e outros obstáculos que o GPS não reconhece.

Sensores ambientais

CÂMERAS permitem que os computadores do carro vejam o que está em sua volta, detectar semáforos, sinais de trânsito e ajuda ao computador de bordo reconhecer obstáculos em movimentos como pedestres e ciclistas.

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Fonte: Dirk Smith

O RADAR permite que o veículo veja até 100 metros no escuro, chuva, neve ou outras circunstâncias que dificultam a visão. Os Radares são montados nos pára-choques dianteiros e traseiros do carro, e nas laterais, visando identificar qualquer obstáculo ao seu redor. Os sensores de radar mantêm um ‘olho digital’ nos objetos à frente, atrás e nos lados.

LASERS que se parecem com uma luz giratória de sirene, escaneia o mundo em torno do carro e fornecer ao mesmo uma visão tridimensional, omnidirecional de seu entorno.

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Alguns equipamentos montados em um veiculo autônomo de testes.
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Um protótipo de veículo autônomo
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Simulação de visão em três dimensões de um veículo autônomo a partir de dados de sensores (radares, lasers, câmeras, etc). Fonte: Dirk Smith

Computadores

Atualmente os veículos de passageiros já estão informatizados. Mas os veículos autônomos serão completamente controlados por computador. Dizem que os novos computadores são “do tamanho de uma lancheira e com capacidade de processamento de 150 MacBook Pros.”

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Zonas de eleição para os sistemas e sensores de monitoramento ambiental. Adaptado de Dirk Smith

Frenagem de Emergência Autônoma

Esse é um sistema de segurança que emprega sensores para monitorar a proximidade do veículo na frente, e detecta situações em que a velocidade relativa e a distância entre e os veículos pode se tornar uma colisão eminente.

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Exemplo de funcionamento de sistema de frenagem de emergência autônoma. Adaptado de Dirk Smith

Auto Estacionamento

A tecnologia de estacionamento automático é utilizada em situações de estacionamento paralelo, a maioria das pessoas precisa de cerca de 1,80 m mais espaço que o comprimento total de seu carro para estacionar, embora alguns condutores especializados conseguem fazer isso com menos espaço. Haverá, portanto, necessidades automáticas de estacionamento paralelo em menos espaço.

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Fonte: Dirk Smith

Futuro dos Veículos Autônomos

Atualmente toda a tecnologia suficiente já está disponível. Essa nova tecnologia se concentrará na redução do tamanho / custo de câmeras, LASERs, radar, etc.

As montadoras fabricarão carros com os componentes necessários já construídos e não tão visível, embora o risco de erro humano diminua, a automação traz novos riscos de ameaças de maior escala. Especialistas alertaram, por exemplo, que carros sem motorista poderiam ser hackeados por terroristas.Poderiam aparecer demandas judiciais por negligencia contra o fabricante, porque o software não foi capaz de resistir a hacking como em tese deveria ter sido.

Alguns aspectos do seguro serão afetados quando carros autônomos se tornarem norma. Um estudo do Instituto de Seguros para Segurança de Rodovias (Insurance Institute for Highway Safety, Highway Loss Data Institute – IIHS) e do Instituto de Dados de Perda em Rodovia (Highway Loss Data Institute – HLDI), nos Estados Unidos, já mostram uma redução de reclamações de responsabilidade no dano à propriedade envolvendo colisão com carros equipados com sistemas de aviso de colisão frontal, especialmente aqueles com freios automáticos.

Potenciais obstáculos

Podemos dizer que os principais obstáculos à implantação de veículos autônomos se enquadram em quatro categorias:

  • Custo – Em geral, toda nova tecnologia antes de se consolidar comercialmente possui custos elevados e inacessível a maioria das pessoas, atualmente são investidos milhões de dólares em pesquisas para que veículos autônomos se tornem uma realidade.
  • Tecnologia – Apesar de já existir tecnologia para a construção de veículos autônomos, podemos dizer que ela é restrita, possui alto custo e os desafios tecnológicos parecem não ter limite.
  • Aceitação do consumidor – Como se dará a transição? Nós ficaremos acostumados com esse tipo de veículo, teremos plena confiança e abriremos mão do controle que temos dos carros atualmente? Difícil dizer, mas nos parece que esse tipo de condução será um processo passo a passo e talvez não percebamos a mudança.
  • Políticas / Infraestrutura – Os carros autodirigidos precisam de um roteiro preciso, dados confiáveis da infraestrutura, limites de velocidade, fechamento de faixa e atualizações ao vivo de outros veículos. Como os governos tratarão desse aspecto? Os carros autônomos precisam de um tipo de diferente de infraestrutura. Não haverá necessidade de sinais de trânsito, placas, semáforos ou outra parafernália rodoviária, e isso nos remete a estradas completamente diferentes, um mundo que não estamos acostumados a não pelos filmes de ficção científica. Sem falar ainda que multas por excesso de velocidade e estacionamento serão coisas do passado, e como o governos encararão essa perda de receita?

Perícia de Acidente de Trânsito

Sabemos que a maioria esmagadora dos acidentes se devem ao comportamento errôneo do condutor. Segundo o Google, carros autônomos poderiam reduzir as taxas de acidentes em 90%. Mas sabemos também que os sistemas de carros autônomos não eliminarão acidentes; sua maior intenção é minimizar e reduzir a gravidade destes. Será que isso afetará a perícia?

Como se dará a perícia em acidentes de trânsito no contexto dos veículos autônomos? Hoje, muito (para não dizer “tudo”) do que se estima no levantamento pericial em acidentes de trânsito é pautado em princípios físicos da mecânica. Em algumas oportunidades, câmeras de segurança de estabelecimentos e câmeras de monitoramento de tráfego auxiliam as ponderações periciais com o estabelecimento de uma dinâmica mais precisa e até mesmo, em muitas vezes, possibilitam cálculos físicos para se estimar velocidades dos veículos momentos antes da colisão.

Evidentemente, a proliferação de veículos autoconduzidos não tornará inválidos os métodos tradicionais da perícia de acidente trânsito. Afinal, os princípios físicos não perderão a validade científica porque o condutor do veículo passou a ser um computador. Mas um novo método de investigação forense na área de acidente de trânsito será criado, já os métodos atuais ficarão limitados. Algumas ponderações acerca dos tempos de percepção e de reação do motorista não funcionarão para reconstruir a cena de um acidente com veículo autônomo. Até mesmo a materialidade sofrerá mutações: marcas de frenagens são um exemplo de vestígio físico que tem ficado cada vez mais escasso com o advento do freio ABS. No Brasil, até bem pouco tempo atrás, não havia regulamentação que obrigasse as montadoras a incluir esse sistema como item de série, isso só ocorreu a partir do ano de 2014.

As concepções de causas determinantes que atualmente atribuímos ao homem, ao meio e à máquina, também passarão por profundas mudanças. Não teremos a causa determinante atribuída ao homem (condutor), pois este não estará mais no controle da direção. Praticamente todos os conceitos de conclusões de laudos periciais terão que ser revistos. As falhas mecânicas como ocorrem nos moldes atuais serão reduzidas ao extremo, pois um veículo autônomo é totalmente controlado por computador, qualquer falha nesse sentido é detectada e registrada em sistemas próprios, como já ocorre em grande parte dos sistemas de veículos atuais, o computador de bordo já acusa a falha. Teremos que incluir nos conceitos de causas de acidentes falhas atribuídas a softwares e hardwares.

Ainda teremos algum caso em que poderemos atribuir a causa do acidente ao meio ou a via? Afinal, os veículos autodirigidos são capazes de detectar todos os obstáculos fixos e móveis a sua volta. Ademais, em um único episódio, a quantidade de informações a serem analisadas será maior do que aquelas disponíveis em todos os acidentes de trânsito analisados por um perito em toda sua carreira. Diante dos futuros novos métodos, o perito terá que ter acesso irrestrito a todo o sistema informatizado do veículo para poder descobrir a falha; a tecnologia nos obrigará a mudar os métodos de perícia.

Essa perspectiva serve como alerta que devemos ficar atentos a essas mudanças e avanços tecnológicos e, sobretudo, estarmos preparados para ela.

Saiba mais

Where to? A History of Autonomous Vehicles

NCSL – Autonomous Vehicles | Self-Driving Vehicles Enacted Legislation

History of the Autonomous Car

Waymo

Dirk Smith, Ph.D., P.E., ACTAR Rimkus Consulting Group, Inc. Autonomous Vehicles –How Close Are We.