Conceito de violência contra animais é definido pela primeira vez pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária

Não é de hoje que os animais fazem parte da sociedade, historicamente falando desde os períodos remotos dos povos Mesopotâmicos (4.000 a.C. – 1.900 a.C.) já existe o vínculo homem-animal, principalmente tendo gatos como uma forma de encarnação dos deuses. Fica evidente que ao longo da evolução o animal não serviu somente para produção de alimentos e subprodutos, mas sim como companhia e até mesmo prestando serviços relevantes à sociedade. Um exemplo destes serviços que podemos citar hoje em dia são os animais que trabalham com terapia assistida, cães de guarda, que trabalham na busca e apreensão de drogas, armas, explosivos, pessoas, a cavalaria, cães-guia e por aí vai. Não seria estranho, portanto, que a sociedade tutelasse de alguma forma os animais.

E de fato o faz: os Crimes Contra a Fauna estão tipificados na Lei de Crimes Ambientais (no. 9.605/1998). Em seu art. 32 cita como crime a conduta de “Proferir atos de abuso, maus-tratos, ferir, mutilar animais nativos ou exóticos, domésticos, domesticados ou silvestres é crime, com pena de detenção de seis meses a um ano”, porém um problema recorrente dos que trabalham nesta área, sejam peritos criminais, peritos judiciais, assistentes técnicos, peritos louvados ou qualquer indivíduo que necessita elaborar e interpretar documentos envolvendo crimes contra animais, era ausência de um documento que pudesse conceituar cada um destes tipos de violência para desta forma padronizar a nomenclatura. Na falta de uma normativa, as interpretações beiram a subjetividade da qual a perícia deve se esquivar.

No dia 29 de outubro de 2018, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) divulgou a publicação da Resolução no. 1.236 de 26 de outubro de 2018 na qual são conceituados “maus-tratos”, “crueldade” e “abuso” em vertebrados, além de diversos outros conceitos utilizados na medicina veterinária como “animais sinantrópicos”, “eutanásia”, “depopulação” e também termos que podem ser tecnicamente aplicados em crimes contra fauna, como “corpo de delito”, desta forma permitindo uma evolução na Perícia tanto na área Veterinária como também em qualquer crime que envolva a Fauna.

Vejam como essa resolução pode ajudar na prática:

Antes da Resolução era bastante complicado tipificar o crime de “bestialismo” ou “zoofilia”, indivíduos que praticam atos sexuais com animais, pois até então não existia nenhuma legislação em que a zoofilia ou o bestialismo pudessem estar enquadrados. A partir da citada resolução, este tipo de ato pode ser considerado abuso, o que certamente irá proporcionar tanto aos profissionais da segurança pública, quanto da medicina veterinária e também o judiciário a padronização deste tipo de caso.

E quem ganha com isso? Bom, obviamente que estas medidas de proteção frente aos crimes contra a fauna têm como envolvidos diretos os animais, no entanto sabe-se que para um ambiente devidamente equilibrado e essencial a sadia qualidade de vida, como cita o art. 225 da Constituição Federal Brasileira (1988), é necessária a preservação da biodiversidade. Além disso, esta posição coloca o Brasil em destaque, se equiparando a países desenvolvidos que possuem diversas medidas de proteção aos animais, seja da fauna silvestre, ou animais de companhia e de produção, ou mesmo considerando as práticas de bem-estar animal.

Não se pode deixar de considerar que os boletins de ocorrência (BO) relativos à crimes contra a fauna poderão, agora, serão elaborados de forma mais adequada devido à tipificação dos delitos, que em alguns casos podem inclusive ser mais de um. Por exemplo, é comum as pessoas se referirem a maus-tratos, mas na realidade é um conceito muito amplo e que precisa ser devidamente descrito nos laudos periciais, é diferente um caso de agressão violenta de um animal de um caso em que um animal está sendo privado de uma das cinco liberdades. Qualquer que seja o caso, a Resolução irá auxiliar a descrição de cada crime.

Umas das consequências a ser ressaltada vincula-se à necessidade crescente de profissionais que atuem em crimes contra a fauna no Brasil em todos os setores: acadêmico, forense e público geral. O conhecimento dos cidadãos a respeito de agressões animais parece essencial para a construção de uma sociedade mais justa e humanitária.

A Resolução na íntegra pode ser conferida neste link. Porém, segue abaixo a reprodução do artigo 2o. e do artigo 5o., nos quais constam importantes definições:

 

Art. 2º Para os fins desta Resolução, devem ser consideradas as seguintes definições:

I – animais vertebrados: o conjunto de indivíduos pertencentes ao reino animal, filo dos Cordados, subfilo dos Vertebrados, incluindo indivíduos de quaisquer espécies domésticas, domesticadas ou silvestres, nativas ou exóticas;

II – maus-tratos: qualquer ato, direto ou indireto, comissivo ou omissivo, que intencionalmente ou por negligência, imperícia ou imprudência provoque dor ou sofrimento desnecessários aos animais;

III – crueldade: qualquer ato intencional que provoque dor ou sofrimento desnecessários nos animais, bem como intencionalmente impetrar maus tratos continuamente aos animais;

IV – abuso: qualquer ato intencional, comissivo ou omissivo, que implique no uso despropositado, indevido, excessivo, demasiado, incorreto de animais, causando prejuízos de ordem física e/ou psicológica, incluindo os atos caracterizados como abuso sexual;

V – abate: conjunto de procedimentos utilizados nos estabelecimentos autorizados para provocar a morte de animais destinados ao aproveitamento de seus produtos e subprodutos, baseados em conhecimento científico visando minimizar dor, sofrimento e/ou estresse;

VI – transporte – deslocamento do(s) animal(is) por período transitório no qual subsiste com ou sem suporte alimentar e/ou hídrico;

VII – comercialização – situação transitória de exposição de animais para a venda no qual subsiste com ou sem suporte alimentar e/ou hídrico;

VIII – depopulação: procedimento para promover a eliminação de determinado número de animais simultaneamente, visando minimizar sofrimento, dor e/ou estresse, utilizado em casos de emergência, controle sanitário e/ou ambiental;

IX – eutanásia: indução da cessação da vida, por meio de método tecnicamente aceitável e cientificamente comprovado, realizado, assistido e/ou supervisionado por médico veterinário, para garantir uma morte sem dor e sofrimento ao animal;

X – animais sinantrópicos – animais que se adaptaram a viver junto ao homem, a despeito da vontade deste. Podem causar prejuízos econômicos, transmitir doenças, causar agravos à saúde do homem ou de outros animais, portanto, são considerados, em muitos casos, indesejáveis e problemas de saúde pública e/ou ambiental;

XI – corpo de delito – conjunto de vestígios materiais resultantes da prática de maus-tratos, abuso e/ou crueldade contra os animais;

XII – contenção física – uso de mecanismos mecânicos ou manuais para restringir a movimentação visando a proteção do animal ou de terceiros durante procedimentos; e,

XIII – contenção química – uso de fármacos analgésicos, anestésicos ou psicotrópicos, cujo uso é de competência exclusiva de médico veterinário, para restringir a movimentação visando a proteção do animal ou de terceiros durante procedimentos.

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Art. 5º – Consideram-se maus tratos:

I – executar procedimentos invasivos ou cirúrgicos sem os devidos cuidados anestésicos, analgésicos e higiênico-sanitários, tecnicamente recomendados;

II – permitir ou autorizar a realização de procedimentos anestésicos, analgésicos, invasivos, cirúrgicos ou injuriantes por pessoa sem qualificação técnica profissional;

III – agredir fisicamente ou agir para causar dor, sofrimento ou dano ao animal;

IV – abandonar animais;

a) deixar o tutor ou responsável de buscar assistência medico-veterinária ou zootécnica quando necessária;

V – deixar de orientar o tutor ou responsável a buscar assistência médico veterinária ou zootécnica quando necessária;

VI – não adotar medidas atenuantes a animais que estão em situação de clausura junto com outros da mesma espécie, ou de espécies diferentes, que o aterrorizem ou o agridam fisicamente;

VII – deixar de adotar medidas minimizadoras de desconforto e sofrimento para animais em situação de clausura isolada ou coletiva, inclusive nas situações transitórias de transporte, comercialização e exibição, enquanto responsável técnico ou equivalente;

VIII – manter animal sem acesso adequado a água, alimentação e temperatura compatíveis com as suas necessidades e em local desprovido de ventilação e luminosidade adequadas, exceto por recomendação de médico veterinário ou zootecnista, respeitadas as respectivas áreas de atuação, observando-se critérios técnicos, princípios éticos e as normas vigentes para situações transitórias específicas como transporte e comercialização;

IX – manter animais de forma que não lhes permita acesso a abrigo contra intempéries, salvo condição natural que se sujeitaria;

X – manter animais em número acima da capacidade de provimento de cuidados para assegurar boas condições de saúde e de bem-estar animal, exceto nas situações transitórias de transporte e comercialização;

XI – manter animal em local desprovido das condições mínimas de higiene e asseio;

XII – impedir a movimentação ou o descanso de animais;

XIII – manter animais em condições ambientais de modo a propiciar a proliferação de microrganismos nocivos;

XIV – submeter ou obrigar animal a atividades excessivas, que ameacem sua condição física e/ou psicológica, para dele obter esforços ou comportamentos que não se observariam senão sob coerção;

XV – submeter animal, observada espécie, a trabalho ou a esforço físico por mais de quatro horas ininterruptas sem que lhe sejam oferecidos água, alimento e descanso;

XVI – utilizar animal enfermo, cego, extenuado, sem proteção apropriada ou em condições fisiológicas inadequadas para realização de serviços;

XVII – transportar animal em desrespeito às recomendações técnicas de órgãos competentes de trânsito, ambiental ou de saúde animal ou em condições que causem sofrimento, dor e/ou lesões físicas;

XVIII – adotar métodos não aprovados por autoridade competente ou sem embasamento técnico-científico para o abate de animais;

XIX – mutilar animais, exceto quando houver indicação clínico-cirúrgica veterinária ou zootécnica;

XX – executar medidas de depopulacão por métodos não aprovados pelos órgãos ou entidades oficiais, como utilizar afogamento ou outras formas cruéis;

XXI – induzir a morte de animal utilizando método não aprovado ou não recomendado pelos órgãos ou entidades oficiais e sem profissional devidamente habilitado;

XXII – utilizar de métodos punitivos, baseados em dor ou sofrimento com a finalidade de treinamento, exibição ou entretenimento;

XXIII – utilizar agentes ou equipamentos que inflinjam dor ou sofrimento com o intuito de induzir comportamentos desejados durante práticas esportivas, de entretenimento e de atividade laborativa, incluindo apresentações e eventos similares, exceto quando em situações de risco de morte para pessoas e/ou animais ou tolerados enquanto estas práticas forem legalmente permitidas;

XXIV – submeter animal a eventos, ações publicitárias, filmagens, exposições e/ou produções artísticas e/ou culturais para os quais não tenham sido devidamente preparados física e emocionalmente ou de forma a prevenir ou evitar dor, estresse e/ou sofrimento;

XXV – fazer uso e/ou permitir o uso de agentes químicos e/ou físicos para inibir a dor ou que possibilitam modificar o desempenho fisiológico para fins de participação em competição, exposições, entretenimento e/ou atividades laborativas.

XXVI – utilizar alimentação forçada, exceto quando para fins de tratamento prescrito por médico veterinário;

XXVII – estimular, manter, criar, incentivar, utilizar animais da mesma espécie ou de espécies diferentes em lutas;

XXVIII – estimular, manter, criar, incentivar, adestrar, utilizar animais para a prática de abuso sexual;

XXIX – realizar ou incentivar acasalamentos que tenham elevado risco de problemas congênitos e que afetem a saúde da prole e/ou progenitora, ou que perpetuem problemas de saúde pré-existentes dos progenitores.