RBC PUBLICA a edição v.9, n.2 (2020)!

A Revista Brasileira de Criminalística (RBC) publicou a edição v. 9, n. 2 (2020)!

Validação do conhecimento científico: um processo anônimo, independente e transparente

Era 1665, cinco anos após sua fundação, que The Royal Society of London for the Improvement of Natural Knowledgedecidiu transformar a publicação de trabalhos e discussões de seus membros em revista científica. E assim nascia a The Philosophical Transactions of the Royal Society, a primeira revista científica que se tem notícia. O lema da Royal Society era nullius in verba (ou, em tradução livre, “nas palavras de ninguém”), sendo considerado um símbolo da liberdade de expressão e comprovação através de experiências [1]. Mas somente 87 anos depois é que foi criado o quase equivalente a um “Conselho Editorial” (Commitee on Papers) com a função de selecionar as submissões para publicação. Esse processo de seleção foi o berço da avaliação por pares [2].

O problema é que os pilares desse sistema de seleção parecem ter origem na publicação de livros do séc. XVII e, naquele tempo, nenhum livro impresso poderia ser vendido sem autorização real (normalmente delegada às academias reais) [3]. E, como bem ressalta a Profa. Dra. Lia Queiroz do Amaral, um conselho analisava o texto, “relatando que o conteúdo não tinha nada contrário aos propósitos da Sociedade, mais com o espírito de censura do que de controle de qualidade”. Em seu esclarecedor texto intitulado “O processo de validação do conhecimento científico”, publicado em 24/04/2017 no Jornal da USP, ainda lembra que:

“As sociedades científicas fizeram uma transição da censura do Estado para autocrítica nos trabalhos científicos, e o processo todo mudou muito ao longo desses 300 anos. O sistema passou de censura externa para revisão interna, primeiro nas ciências naturais e muito depois nas humanidades e ciências sociais. O sistema de avaliação por pares atual certamente focaliza o conteúdo científico (…). 

As discussões privadas, ou quase-privadas, do processo de avaliação por pares são carregadas de emoções e disputas entre grupos rivais, com muita competição, mas isso não costuma aparecer nos textos publicados. A revisão por pares não é necessária para se fazer ciência, mas a discussão entre pessoas que entendam dos assuntos é essencial para que o conhecimento possa avançar.

Só através da discussão as diferentes visões vão sendo depuradas e eventualmente convergindo para uma verdade impessoal. A ciência de fato se define ao longo do tempo, e quando pesquisadores independentes chegam ao mesmo resultado/conclusão.

E foi seguindo o espírito do nullius in verba que nasceu a RBC, em 2011, no seu formato que até o momento se mantém. Hoje, consagramos a Rev. Bras. Crimin. como o repositório de artigos destinados a dar suporte às Ciências Forenses, como constou na profecia do Presidente da Associação Brasileira de Criminalística de então, Perito Criminal Dr. Iremar Paulino. Em sua manifestação inicial sobre a criação da revista, já deixou claro que:

No que diz respeito ao conteúdo, um corpo de especialistas apreciará e selecionará os trabalhos que forem submetidos, de maneira independente e anônima. E todo o processo editorial será controlado e transparente, de modo a que seja reconhecida como uma revista científica de excelência.

Foi com esse processo de editoração, voluntário, independente, anônimo e, acima de tudo, transparente que a RBC ganhou sua reputação. E a edição que hoje é publicada é uma boa representação disso. Afinal, é a edição com o maior número de artigos já publicada por essa editoria: são 20 artigos que, independentemente de quem escreveu, passou pelo centenário processo de avaliação por pares e se consagraram com qualidade o bastante para que o Conselho Editorial chancelasse a publicação. Nesse processo de validação do conhecimento científico e celebrado modo de “fazer ciência”, quem ganha é o coletivo das Ciências Forenses e, de tabela, a justiça brasileira.

A crescente ocupação do espaço editorial especializado que a RBC vem promovendo pode ser avaliada não apenas pela sua manutenção ao longo dos anos, mas também pelo número de submissões que vem recebendo. Em números atuais, são mais de 500 submissões até o fechamento desta edição, nada mal para um periódico com poucos anos de vida. Mas o parâmetro academicamente mais empregado é o número de citações do periódico e, pelos indicadores do Google Scholar, percebemos a ascendência, com incremento de 18 citações desde a última edição publicada:

Extraído de Google Scholar

Nesta edição, os artigos foram separados em dez seções de interesse às Ciências Forenses. Na primeira, acerca de Balística Forense, o artigo Caracterização de disparos de arma de fogo de baixa energia em vidros temperados veiculares apresenta a análise de perfurações produzidas por projéteis disparados por revólver calibre .38 em vidros veiculares temperados, com e sem película antivandalismo.

Na seção de Crimes Contra o Meio Ambiente, dois artigos são apresentados. O primeiro, intitulado Importância do monitoramento de cianobactérias e suas toxinas em águas para consumo humano, mostra que o crescimento exagerado desses organismos pode estar relacionado ao acúmulo de matéria orgânica advinda do seu tratamento e a produção de cianotoxinas capazes de provocar lesão hepática, danos neurológicos e óbito em mamífero. Em outro, de título Análise de pescado sem cabeça, são apresentadas as metodologias para avaliação de pescados apreendidos com base na morfologia métrica, o que auxilia na produção de provas de pesca predatória ao viabilizarem um modelo estatístico para análise de duas espécies de forma a reconstituir o tamanho do pescado apreendido mesmo sem a cabeça para fins periciais.

O trabalho premiado no XXV Congresso Nacional de Criminalística brinda essa edição da RBC, com uma versão estendida, na seção de Crimes Contra a Pessoa e Contra o Patrimônio. O mote do artigo é bem sintetizado pelo seu título, Como o esforço do perito de local, em SC, e o BNPG levaram à solução de um homicídio no PR após 10 anos sem suspeitos. Ainda nessa seção, peritos criminais mineiros apresentam casos de autoeliminação não corriqueiras no trabalho Suicídios por artefatos explosivos – estudo de casos.

Em Criminalística Geral, a Participação das perícias em sentenças para julgamento de crimes militares é o tema do artigo de autoria de grupo de pesquisa da Universidade de Pernambuco (UPE) e da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), consagrando a imprescindível participação da academia no processo de validação científica da RBC. Também da UFRGS é o artigo Prevalência de álcool e drogas em mortes por afogamento no Rio Grande do Sul, no qual se avalia a alta frequência de consumo de etanol em 213 casos de afogamento ocorridos em 2015. De grande importância para a perícia criminal e suas repercussões sociais, Isolamento e preservação de local de crime – procedimento substancial à integridade do trabalho pericial e Os dados reais versus a divulgação da mídia do perfil de apreensão de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste de Minas Gerais são os temas de mais dois artigos na seção de Criminalística Geral.

A Identificação Humana, em seção própria, é abordada em três artigos, dois dos quais se relacionam com o Banco Nacional de Perfis Genéticos: Uso e benefício da Biologia Molecular nas Ciências Forenses e sua aplicação no banco de perfis genéticos e Estudo sobre identificação humana por DNA, Banco Nacional de perfis genéticos e a obrigatoriedade da Lei 12654/2012. Fecha a seção o trabalho Risco de contaminação por DNA de alto peso molecular e por amplicons em Laboratório de Genética Forense no Brasil, o qual procurou evidenciar a importância da técnica de PCR na biossegurança de laboratórios de DNA forense, com recomendações de controle de contaminação.

Substâncias controladas e entorpecentes dominaram o assunto da seção de Laboratório Forense. Primeiro através de uma revisão sobre métodos rápidos utilizados em química e o significado dos resultados dos fenômenos químicos decorrentes de tais exames, no artigo Requisições de rotina e testes colorimétricos empregados em Química Forense: do preparo das soluções à descrição dos fenômenos químicos. Depois, outro artigo cujo título é Influência da prova pericial em sentenças judiciais de casos definidos na Lei de Drogas em Aracaju entre 2012 e 2018, no qual se demonstra a relevância dos laudos periciais na justiça sergipana.

A odontologia legal é contemplada no artigo Revisão sistemática dos métodos de correlação entre a idade dentária e cronológica em função das análises de Demirjian, trazendo os limites do método de aquisição de idade no processo de identificação antropológica.

As Perícias em Incêndios e Explosões foram abordadas no trabalho Desenvolvimento de metodologia de baixo custo para geração de amostras de resíduos de incêndio em solo usando etanol, no qual constam os achados parametrais que influenciam a detecção de etanol em solo.

Ganhou ainda mais relevância legal o tema “Cadeia de Custódia” a partir da promulgação do Pacote Anti Crime, em dezembro de 2019. Nessa temática, a nota técnica A importância da cadeia de custódia na Computação Forense explora o assunto no âmbito da processualística penal relacionada ao ambiente virtual.

Encerram esta edição a resenha de três obras: Criminalística (7ª. edição, de 2019), Manual de Medicina Legal (8ª. edição, de 2012) e Introdução à Genética Forense (1ª. edição, de 2020).

(texto adaptado do editorial da edição)