GENÉTICA FORENSE – HISTÓRICO E APLICAÇÕES NA CIÊNCIA CONTRA O CRIME

Depois que cumprimos nossa função, somos descartados. Mas os genes são para sempre. (Richard Dawkins, “O gene egoísta”)

O ácido desoxirribonucleico (DNA) contém a informação genética humana, sendo o seu conjunto conhecido como genoma. O genoma está presente no núcleo das células, possui cerca de 3 bilhões de pares de nucleotídeos dispostos em bases púricas (adenina e guanina) e bases pirimídicas (citosina e timina). As sequências de DNA são compactadas com proteínas em estruturas denominadas cromossomos, e são nessas estruturas que são encontrados os genes que codificam proteínas. O genoma humano possui cerca de 20000 genes, sendo que temos genes mitocondriais que são herdados totalmente da mãe, através do óvulo. De acordo com RODRIGUES et al. (2018), os desenvolvimentos das técnicas moleculares aconteceram nas décadas de 1970 e 1980. Nessa época foram lançadas as bases para o avanço da genética forense como ferramenta primordial na identificação humana. Entre os avanços na genética forense, podemos citar:

  • Alec Jeffreys realizou a análise de polimorfismos em microrregiões de DNA;
  • Kary Mullis aprimorou a técnica da reação em cadeia de polimerase (PCR);
  • Frederick Sanger realizou o sequenciamento de moléculas de DNA;

Os estudos das cadeias de rescisão de sequenciamento de DNA foi o marco de uma das primeiras revoluções da biologia molecular, aliado aos estudos de genética de populações e forenses. A cadeia de rescisão de sequenciamento de DNA foi desenvolvida por Frederick Sanger, em 1975, que dois anos mais tarde usou a mesma técnica para sequenciamento do genoma do fago Ф-X174. O método de Sanger foi utilizado para sequenciamento humano.

O primeiro método de utilização de DNA para identificação de pessoas ocorreu em meados dos anos 80, por Alec Jeffreys, da Universidade de Leicester. No início, houve ceticismo quanto ao método utilizado, mas em 1985 foi publicado um artigo na conceituada revista científica “Nature” chamado “Individual-Specific fingerprints of Human DNA”. Neste artigo o autor indicou que os polimorfismos genéticos podem ser utilizados para identificação humana, pois indicam propriedades como da identificação por datiloscopia (impressões digitais): propriedades de unicidade, imutabilidade e análise.

Kary Mullis aprimorou a reação em cadeia de polimerase (PCR), ao qual realiza a ampliação de fragmentos específicos de DNA. Essa amplificação ocorre por meio de enzimas que polimerizam as cadeias de DNA. Essas enzimas conectam os nucleotídeos isolados de forma complementar nas fitas de DNA da molécula-alvo original. A enzima que sintetiza moléculas de DNA a partir de outras moléculas foi denominada DNA polimerase. A polimerase humana e a da maioria dos outros organismos eram termicamente instáveis, o que fazia com que após o ciclo de aquecimento, tivesse que acrescentar novamente a enzima na reação. A partir dessa limitação, Mullis e outros pesquisadores analisaram DNA polimerases da bactéria T. aquaticus, que são termoestáveis, com temperatura ótima próximo de 80º C. Elas passaram a ser utilizadas no procedimento da PCR para amplificação de DNA. A enzima foi clonada, sequenciada, modificada e produzida para fins comerciais. Por conta desta descoberta, Kary Mullis recebeu o prêmio Nobel em 1993.

Tecnologias de sequenciamento de DNA ao longo dos anos e as principais contribuições de metodologias moleculares para o desenvolvimento dos sequenciadores de DNA. Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-22-Tecnologias-de-sequenciamento-de-DNA-ao-longo-dos-anos-e-as-principais_fig1_325650708

APLICAÇÕES DO DNA NA INVESTIGAÇÃO FORENSE

Em estudos de casos forenses, a análise de DNA tornou-se um método imprescindível por ser extremamente sensível e de alta confiabilidade. Através dessa técnica, encontram-se suspeitos relacionados ao delito ou locais de crime relacionados com outros locais, através de análises de vestígios biológicos provenientes, por exemplo, de células epiteliais encontradas em automóveis, pelos e cabelos em roupas. De acordo com BONACCORSO (2005), através do desenvolvimento da Biologia Molecular e da estabilidade química e térmica do DNA, nos permite que sejam realizados exames de DNA mesmo depois de muito tempo, permitindo que sejam obtidos e analisados os padrões genéticos através de marcadores específicos, que ao fim são confrontados com a vítima ou suspeito. As amostras de DNA podem ser utilizadas para investigação forense nos seguintes aspectos:

  • Paternidade Criminal: quando da violência sexual surgir gravidez, uma menor de 14 anos engravidar de um adulto, suspeita de troca de bebês em maternidade. Nesses casos é realizado exame de paternidade, maternidade ou parentesco.
  • · Violência Sexual: as amostras são coletadas do corpo da vítima, através de secreção sexual, anal, oral, manchas, cabelos; de objetos, tais como preservativos, vestimentas, lençóis; de local de crime, como instrumentos lesivos, sangue, saliva, sêmen, entre outros; do próprio suspeito (manchas de sangue, saliva, pelos). As amostras coletadas são enviadas para exames ao qual são confrontadas com amostras de referência da vítima e dos suspeitos.
  • Identificação de partes e órgãos de cadáveres mutilados, decompostos: para casos de cadáveres não identificados por meios de identificação humana. Nesses casos, são utilizadas técnicas de genética forense para ao qual o perfil genético encontrado no cadáver é confrontado com o perfil genético de familiares ou do próprio suspeito de desaparecimento a fins de identificação cadavérica. Utilizado em casos de acidentes em massa, desastres, desaparecimento.
  • Amostras de Local de Crime: são amostras coletadas a partir de vestígios biológicos encontrados no local da infração delituosa. Essas amostras passam por exame e são confrontadas com a amostra de referência da vítima ou suspeito.

A demanda de exames de genética forense tem alta demanda em casos de violência sexual e paternidade. Essas ocorrências acontecem em maior número nos estados do Amapá, Ceará e Minas Gerais que apresentam cerca de 50% e 70% dos exames. As demandas por exames por esses tipos de ocorrências dão-se pelos fatores socioculturais. Outros estados como Rio de Janeiro e Pará, tem outro tipo de demanda por exames de DNA: ocorrências de identificação de cadáveres desconhecidos, sendo que no estado do Rio de Janeiro, concentra 80% dos casos ao qual é solicitado exame de DNA. SILVA et al. (2017)

Polimorfismos genéticos e marcadores de linhagens


Chamamos de polimorfismos genéticos as regiões do DNA que fazem a diferenciação de indivíduo para indivíduo, e são essas regiões as mais importantes para a investigação pericial, pois reduzem a possibilidade de existir pessoas com a mesma sequência. (RODRIGUES et al.,2018 apud BUTLER,2005).


Nos organismos eucariotos encontra-se uma classe de sequências polimórficas cujas características principais são as apresentações de sequências repetitivas consecutivas, apresentadas de várias formas, mas caracterizadas por uma unidade de repetição de número variável, de dois até centenas de nucleotídeos, que são denominadas como regiões satélite e encontradas em sua maior parte na região dos centrômeros dos cromossomos. (RODRIGUES et al.,2018 apud WALKER,1971).

A denominação satélite foi dada por conta de as repetições apresentarem frequência de nucleotídeos, o que faz que tenhamos um padrão de visualização de fragmentos de DNA visíveis por meio de centrifugação por gradiente de densidade. Tendo uma solução uniforme de DNA, após a centrifugação, pelas zonas satélites possuírem densidade diferente (menos denso por conta de diferenças de proporção de bases nitrogenadas).


As amostras que são oriundas de local de crime, em sua maior parte apresentam DNA em baixa concentração ou degradados quimicamente, pois há misturas de perfis genéticos, como por exemplo, os casos de violência sexual. As sequências repetitivas mais utilizadas são as STRs, conhecidas como short tandem repeats, pois em relação ao tamanho das repetições que vão de 2 a seis nucleotídeos. Na identificação de vítimas de acidentes aéreos entre outros desastres em massa, há perda de regiões STRs, o que torna mais difícil o sequenciamento. Para que o ocorra a identificação dessas vítimas, utiliza-se os polimorfismos de nucleotídeo único (SNP, single nucleotide polymorphism), como forma de complementar os resultados.

A genética forense utiliza marcadores de linhagens uniparentais nas investigações forenses, utilizando como marcadores diferenciais o cromossomo Y de haplótipos STR. Quando há misturas de DNA de duas ou mais pessoas, a marcação STR no cromossomo Y faz uma diferenciação, principalmente em casos de crimes sexuais, pois são encontrados nas misturas de secreções sexuais (esperma e secreção vaginal).

As análises de DNA mitocondrial também são importantes em investigações que lidam com linhagem materna, e os STRs do cromossomo Y são utilizados nas disputas de paternidade de filhos do sexo masculino, uma vez que identificam a linhagem paterna. Abaixo segue os padrões de herança e marcadores genéticos de STRs autossômicos, cromossomo Y e DNAm:

  • STRs autossômicos: são os marcadores mais utilizados para investigações de identificação humana, para estabelecer ligações genéticas para comparação. Enfatiza-se que é difícil estabelecer os vínculos genéticos distantes, uma vez que se analisa a partir do alelo da mãe e alelo do pai.
  • Cromossomo Y: Como esse gene não sofre recombinação utiliza-se os marcadores genéticos e STRs mantendo possível identificação de linhagem paterna ao longo de gerações. Os Y STRs não são possíveis de serem individualizados, pois indivíduos de uma mesma linhagem possuirão os mesmos genótipos.
  •  DNA mitocondrial (DNAm): são transmitidos a partir da mãe, seguindo padrão de herança materna. A análise deste DNA é utilizada quando o DNA autossômico se encontra degradado ou quando se deseja estabelecer vínculos genéticos distantes.

Os exames de DNA

Independentemente do tipo de amostra, o exame de DNA possui etapas básicas em comum para todas. Essas etapas são:

  • Extração:
  • Purificação:
  • Quantificação:
  • Amplificação
  • Separação
  • Detecção
  • Interpretação
  • Confronto

Extração do DNA

As técnicas de extração variam de acordo com o tipo de material biológico coletado. A extração é realizada a partir de ruptura química celular e separação do DNA a partir de precipitação em álcool. O isolamento é realizado por meio de membranas de sílica ou separadores magnéticos com afinidade por moléculas de DNA. Nos laboratórios mais modernos já existem aparelhos que automatizam a extração de DNA, o que torna o processo mais seguro, minimizando os riscos de contaminação de amostras e trocas indevidas de materiais. (RODRIGUES et al.,2018)

O DNA é separado de outros componentes tais como proteínas, polissacarídeos e lipídeos, sendo que os métodos podem diferenciar de acordo com o tipo de tecido biológico ou tipo celular. Além da separação do DNA, a técnica de separar o DNA também tem como objetivo purificar o DNA de contaminantes que podem estar presentes na amostram tais como, por exemplo, amostras como contaminação de solo, roupas, piso, paredes, que podem agir como inibidores.

Além dos fatores contaminantes, enfatiza-se que o DNA também deve ser preservado durante todo o processo de extração, de forma que não haja a degradação do mesmo. Caso as enzimas DNAses (nucleases) não sejam inativadas durante o processo de extração as mesmas podem degradar o DNA, inutilizando a amostra.

Para extração de DNA existem vários protocolos que podem ser seguidos. Alguns deles estão nesse trabalho, na sessão de anexos. São procedimentos operacionais padrões estabelecidos pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Há protocolos de extração de diferentes amostras, que podem ser ossos, sangue, swab vaginais, entre outros. Apesar de cada extração ser feita de materiais biológicos diferentes, o processo de extração é o mesmo para todos: primeiro realiza-se a ruptura dos tecidos e lise celular, inativação das nucleases endógenas, separação do DNA de outros componentes contaminantes e inibidores exógenos. A extração do DNA é realizada em toda a amostra, ao mesmo tempo, porém na extração por lise diferencial isso é uma exceção. Neste processo, geralmente utilizado em casos de agressão sexual em que há mistura de materiais genéticos (tecido epitelial da vítima e esperma do agressor), a primeira lise é realizada no DNA do tecido epitelial, e após a lise, separa-se do esperma. Após esse procedimento, extrai-se o DNA dos espermatozoides a partir de lise e separação dos demais componentes.

De acordo com DINIS (2015), atualmente algumas das metodologias de extração de DNA utilizadas nos laboratórios forenses compreendem: extração em fase sólida, extração via Chelex e extração a partir de matriz sólida. A extração por Chelex, de acordo com a autora, propicia a obtenção de uma considerável quantidade de DNA, de maneira rápida e de fácil preparo, porém, a mesma enfatiza que o método de extração por Chelex não permite remover de forma eficaz a inibição de PCR.

Atualmente existem kits de amplificação, com alcunha de “direct”. Esses kits fazem parte da fase de extração do DNA aos quais as amostras são fixadas em fitas FTA®. Essas fitas contêm substâncias químicas que realizam a lise celular e desnaturação das proteínas. Além disso, os ácidos nucleicos são protegidos da ação das nucleases e demais processos oxidativos. Essas fitas são utilizadas para armazenar manchas de sangue e células epiteliais. (DINIS, 2015)

Os kits propiciam maior tolerância aos inibidores comuns e também promove maior sensibilidade. Esse aumento na sensibilidade possibilita maior qualidade na obtenção dos perfis genéticos, principalmente em amostras degradadas.

Quantificação do DNA

As amostras de DNA forenses estão sujeitas a uma série de fatores contaminantes e degradantes. Os principais fatores apontados por estes autores são:

  • Degradação por calor
  • Umidade
  • Radiação Solar
  • Ação de micro-organismos como fungos e bactérias, contaminação indireta por outros indivíduos ou animais.
  • Misturas com produtos químicos, diluições de amostras.

Nos laboratórios forenses são utilizados diversos métodos de quantificação de DNA, tais como visualização de padrões de bandas de DNA total em gel de agarose, quantificação de DNA humano por espectrofotometria, quantificação de DNA humano através de técnica de PCR em tempo real. Nesta última, através de sondas fluorescentes específicas, identificam-se as moléculas em amplificação. As fluorescências liberadas são captadas por um fotômetro que é acoplado ao termociclador.

O procedimento da PCR passa por três ciclos:

1. Desnaturação do DNA genômico: a amostra de DNA que contém a sequência ao qual deve ser amplificada, passa por aquecimento à 95° C durante cerca de 30 segundos. Com o aquecimento, a fita dupla é desnaturada, tornando-se uma fita única. Essa quebra se dá pela quebra das pontes de hidrogênio.

2. Anelamento ou hibridização: com o uso de primers, que são fitas de DNA específicas para genes específicos, complementa-se a fita oposta da sequência de DNA que será amplificada, sendo assim, uma fita é complementar da outra. Os moldes são designados a partir da posição que os primers se anelam na fita. Esse processo ocorre em temperatura mais baixa, de 50 a 60º C e está ligada diretamente ao tamanho e sequência da extremidade dos primers.

3. Extensão ou Polimerização: Através da enzima DNA-polimerase, são adicionadas as bases complementares de cadeia a partir da extremidade do primer, que criam uma fita. Dessa forma se obtêm a duplicação da fita de DNA. Nessa fase, utiliza-se a temperatura ótima da DNA Polimerase, que está em torno de 72ºC.

O ciclo de desnaturação, anelamento e extensão é repetido cerca de 25 a 35 vezes, para que todo o DNA seja de fato, amplificado. No caso de exames de DNA, muitos marcadores genéticos podem ser amplificados numa mesma reação. Após realizar a amplificação dos marcadores genéticos, são realizadas separação e detecção de produtos de amplificação, através de analisadores genéticos ou sequenciadores de DNA. Para amplificação dos marcadores genéticos, utiliza-se fluoróforos, que servem para evidenciar os genes desejados durante o sequenciamento. O DNA amplificado é denominado produto de amplificação ou amplicon.

Amplificação de DNA usando a técnica de PCR. Fonte: https://kasvi.com.br/3-etapas-pcr/

Fatores inibitórios e adjuvantes da PCR


Em uma amostra de DNA forense há muitos elementos que podem inibir a PCR e trazer resultados insatisfatórios. Cita-se: hemoglobina, heparina, ureia, compostos fenólicos, glicogênio, ions de cálcio, DNA não humano, colágeno, DNA em excesso, metais pesados como cobre, cadmio, ferro. Além desses elementos, tem-se compostos utilizados no preparo da amostra também podem causar inibição: cloreto de potássio, cloreto de sódio, detergentes iônicos, etanol, isopropanol, fenol entre outros. O principal inibidor das amostras forenses é o ácido húmico, proveniente da decomposição da matéria orgânica dos solos. Por possuírem estrutura semelhante ao DNA, há relação de competitividade com o DNA durante o processo de purificação. Abaixo, alguns inibidores e suas fontes:

INIBIDORFONTE DO INIBIDOR
Sais BiliaresFezes
Complexos de PolissacarídeosFezes, Plantas
ColágenoTecidos
HemeSangue
Ácido HúmicoSolo, Plantas
PolissacarídeosPlantas
MelaninaCabelo, Pele
MioglobinaMúsculo
ProteinasesLeite
Íons Cálcio (CA²+)Leite, ossos
UreiaUrina
Hemoglobina LactoferrinaSangue
Imunoglobulina G (IgG)Sangue
IndigoJeans
Inibidores de PCR Fonte: Introdução à Biologia Forense, RODRIGUES et
al.,2018

Para evitar que a PCR seja inibida pela ação desses inibidores, umas das técnicas apontadas pelos autores é a diluição do DNA. O DNA deve ser diluído de forma que a concentração do fator inibidor não seja viável, desde que seja ainda possível de se obter uma amostra viável para a técnica PCR, porém, a metodologia se torna complicada quando se trata de amostras degradadas, o que se demanda análise muito mais criteriosa. Além dessa técnica, menciona-se o uso de adjuvantes. Os adjuvantes atuam na melhora do desempenho da PCR, além de atuar diretamente na especificidade. A Albumina Sérica Bovina é utilizada para desativar os inibidores, assim como a Betaína, que obtém maior rendimento e proporciona maior especificidade da PCR.


Eletroforese


Para evidenciar os polimorfismos na amostra amplificada na PCR uma das técnicas utilizadas é a eletroforese em gel, que inicialmente foi utilizada para pesquisas de polimorfismos proteicos. Dependendo do tipo de análise, a eletroforese pode ser utilizada para análise de fita dupla ou de fita simples, sendo que na análise de fita simples são acrescentados ao gel de agarose, produtos químicos como a ureia ou formamida. (RODRIGUES et al.,2018).

Com o embasamento de que o DNA possui carga elétrica negativa, a eletroforese consiste na separação dos fragmentos de DNA que se diferem quanto ao número de pares de bases. Nas cavidades do gel de agarose ou poliacrilamida aplica-se uma corrente elétrica que fará com que o DNA presente na cavidade seja atraído para o pólo positivo produzido pela corrente elétrica. Quanto maior for o fragmento, mais dificuldade o mesmo terá no deslocamento, sendo, portanto, mais lento. Isso faz com que as diferenças de tamanho dos fragmentos sejam visualizadas ao final da corrida.


A técnica da eletroforese em gel foi substituída pela eletroforese capilar, com os mesmos princípios da eletroforese em gel, porém em níveis de qualidade de resultados, segurança, velocidade e uniformidade das análises, a eletroforese capilar ganha muita vantagem. Na placa da eletroforese por capilaridade pode conter até 96 amostras. Uma vez inseridas as amostras da análise desejada, essa placa é inserida em uma bandeja que vai para um sequenciador ou analisador genético. Essas bandejas são movimentadas a fim de fazer com que os capilares do equipamento sejam inseridos nas cavidades da placa com as amostras, que por meio de estímulo elétrico, ocorre a migração dos fragmentos de DNA, que estão marcados por fluorescência, que faz com que o laser do aparelho sequenciador detecte a sequência marcada e marque o fragmento.

Perspectivas na Genética Forense


Nos estudos que envolvem o contexto de genética, biologia molecular e suas
aplicações, discorre-se da técnica de MPS (Massively Parallel Sequencing) conhecida como um novo tipo de sequenciamento que permite que se analise ao mesmo tempo milhares de sequenciamentos de fragmentos de DNA, em um curto período de tempo, comparado à métodos atuais. De acordo com RODRIGUES et al. (2018), essa tecnologia permite que seja aprimorada as variações de polimorfismos genéticos.


Em 2015, Paul J. Bottino mostrou em um painel com 24 marcadores mostrando parâmetros de interpretação de dados para genotipagem STR. Nesse estudo, os pesquisadores obtiveram correspondência obtida entre os genótipos de STRs obtidos pela nova geração de sequenciamento usando Ion Torrent PGM. Essa tecnologia combina tecnologia de sequenciamento utilizando sequenciamento através de semicondutores que se utilizam de bioquímica para tradução direta de informações químicas para informações digitais. Esse sistema elimina a necessidade de lentes de alto custo e métodos químicos complexos para medir a extensão da cadeia de DNA analisada. Dentro de 3 a 7 horas o sistema emite os resultados de sequenciamento.
(RODRIGUES et al.,2018 & Thermofisher Scientific)


Em questões de exame de DNA aplicados em local de crime, há esforços científicos que visam integrar as etapas de análise de DNA em um único aparelho, de forma que minimize o tempo de análise das amostras e emissão de resultados. RODRIGUES et al. (2018) também enfatiza a necessidade de um equipamento portátil que tornasse possível ser levado para o local de crime, assunto ao qual está sendo amplamente discutido nas pesquisas de empresas do ramo de biotecnologia. Com o uso de kits de amplificação direta do DNA sem necessidade prévia de extração de DNA, reduz o tempo da PCR de aproximadamente 4 horas para 2 horas. A tecnologia que mais despertou atenção da comunidade de geneticistas forenses foram as plataformas denominadas RapidHit que propõem plataformas integradas de processamento de amostras biológicas. As desvantagens dessa tecnologia é que segundo os mesmos autores, a análise não proporciona bons resultados para amostras com pouco conteúdo de DNA ou degradadas, realidades que são comuns de serem encontradas em locais de crime.


O retrato falado molecular também é uma proposta para a genética forense.
Apoiada no conceito de uso de polimorfismos do tipo SNP e INDEL (inserções ou deleções na sequência de DNA em determinado loci, que são utilizados para técnicas preditivas de características físicas para composição de características fenotípicas à aparências do indivíduo que produziu a amostra coletada em local de crime. Essa análise baseada em fenótipos visa em auxiliar na investigação, reduzir o número de suspeitos e sobretudo, ajudar na identificação de restos mortais. O Departamento de Defesa dos Estados Unidos desenvolveu um software chamado SNAPSHOT™ DNA Sistema de Fenotipagem Parabon® que através de técnicas de predição baseadas na análise de DNA, definir características físicas, ancestralidade por meio de amostras biológicas. Essas informações são lidas através de um software que fornece através de modelagem um rosto digital com a possível aparência do dono da amostra.

Baseado no kit PARABON SNAPSHOT DNA PHENOTYPING mostrando a
predição fenotípica a partir de amostras doadas pelos voluntários. Fonte:
https://snapshot.parabon-nanolabs.com/posters

Com base nessas novas propostas de evolução da biologia molecular e análises de amostras de material genético, tivemos um grande crescimento na genética forense brasileira que começou sua pesquisa na área dentro das universidades. O primeiro laboratório de genética forense em unidade policial surgiu no Distrito Federal em 1994, sendo depois implantado em outros estados. Cita-se também como avanço a implantação dos bancos de dados genéticos. No Brasil, o Banco Nacional de Perfis Genéticos Criminais surgiu a partir de um projeto do Ministério da Justiça e da Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP). Essas duas organizações criaram a Rede Integrada de Genética Forense, que estreitou a cooperação entre os laboratórios do país. Como resultado, o país passou a adotar o CODIS, um software de arquivamento de padrões genéticos baseados em amostras e perfis genéticos de casos criminais. A tragédia do vôo 447 da Airfrance em 2010 foi o primeiro uso do sistema, que auxiliou na identificação dos restos mortais de cerca de cinquenta passageiros. Casos de violência sexual, cadáveres desconhecidos e pessoas desaparecidas passaram a ter seus perfis genéticos inseridos na base de dados do CODIS 6.0. Em 2012, os perfis genéticos de condenados pela justiça passaram a serem registrados no sistema CODIS através de amostras de referência.

Considerações finais

O estudo e criação de novas tecnologias de análise de materiais genéticos se faz cada vez mais necessário para termos assertividade nas análises de materiais coletados em locais de crime, principalmente em casos aos quais as amostras estão em degradação, casos de estupro ou escassez de amostras nos locais.

Em junho de 2019, tivemos um exemplo muito claro sobre a importância das análises genéticas como método para resolução de crimes. No Paraná, à partir de uma identificação com base em análise de material genético, o Ministério Público desarquivou um inquérito policial sobre um estupro cometido por dois homens a uma mulher. A partir do confronto do material genético, foi possível encontrar um dos autores. A procuradora de Justiça Rosângela Gaspari, coordenadora do Núcleo de Apoio à Vítima de Estupro (NAVES) enfatizou a importância das amostras:

“O DNA é uma prova muito importante, praticamente incontestável nos tribunais. E da mesma maneira que permite a identificação de criminosos, possibilita também a demonstração de inocência, porque muitas vezes é a prova de que determinada pessoa suspeita não cometeu o ato criminoso”

A alta sensibilidade, diversas fontes biológicas para obtenção, não sendo necessário quantidades abundantes de materiais coletados, alta capacidade de análise, resistência à intempéries ambientais, fazem dessas análises a “menina dos olhos” das ciências forenses, que desde a década de 80, a biologia molecular e genética vem tendo grandes esforços para cada vez mais nos dar insumos para esclarecer crimes e diminuir a impunidade. O que pode construir um muro enorme nesse mundo ideal para a genética forense é a falsa noção de que mais vale investir em viaturas do que aparelhagem de laboratório e profissionais qualificados, mas isso é assunto para outro post.

REFERÊNCIAS UTILIZADAS

ALMEIDA, Juliana Piva de. Influência dos testes de triagem para detecção de
sangue nos exames imunológicos e de genética forense. Dissertação (Mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2009

BONACCORSO, Norma Sueli. Aplicação do exame de DNA na elucidação de
crimes. 2005. Dissertação (Mestrado em Direito Penal) – Faculdade de Direito,
Universidade de São Paulo, São Paulo, 2005. doi:10.11606/D.2.2005.tde-15092010-145947

DINIS, Vanessa Alexandra Alves. Estudo comparativo entre uma metodologia de quantificação direta de dna e a metodologia padronizada na rotina laboratorial forense. Universidade do Porto. Portugal, 2015
Acessado em: https://docplayer.com.br/81164391-Estudo-comparativo-entre-umametodologia-de-quantificacao-direta-de-dna-e-a-metodologia padronizada-narotina-laboratorial-forense.html

RODRIGUES, Eduardo L, FRANCEZ, P.A.C, GARRIDO. Genética Forense In DIAS FILHO, C.R. & FRANCEZ, P.A.C, Introdução à Biologia Forense, 2ª Edição,
2018,Millenium Editora, Campinas/SP


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