Nada como olhar para um simples desenho em quadrinho e ser capaz de reconhecer o que ele tem a nos ensinar! E recentemente foi o que aconteceu com o signatário deste post ao se deparar com o cartoon abaixo. Mas o que tanto ele apresenta que nos permite discutir? E o que isso tem a ver com a temática deste blog? Vejamos.
Um dos procedimentos mais essenciais na perícia criminal é o chamado levantamento técnico pericial. Quando o objeto inicial de um exame é o local de crime, então podemos chama-lo de “levantamento de local de crime”. É um método que visa garantir que os vestígios ali presentes sejam devidamente buscados, reconhecidos e registrados em suas posições e situações relativas ao evento delituoso apurado, antes de sua coleta, acondicionamento, transporte, análise e armazenamento.
Aos conhecedores, estamos a descrever etapas do levantamento técnico pericial que são comuns à chamada cadeia de custódia, nos moldes da Portaria SENASP no 82/2014. E se percebe que tal normativa aponta a busca, o reconhecimento, a fixação, a coleta, o acondicionamento, o transporte e o recebimento como etapas da fase externa da cadeia de custódia, iniciada pela preservação do local de crime. É interessante notar que reconhecer um vestígio não é sempre uma tarefa fácil, apesar de consistir no mero “ato de distinguir um elemento como de potencial interesse para a produção da prova pericial”.

São vários os fatores que podem dificultar esse reconhecimento e talvez o mais importante deles a ser evitado é o efeito do contexto no chamado viés de confirmação. Kassin et al (2013) definiram o viés de confirmação como “a classe de efeitos por meio da qual crenças preexistentes, expectativas, motivos e contexto situacional de um indivíduo influenciam a coleta, a percepção e a interpretação das evidências” (tradução livre). O cartoon acima exemplifica uma das maneiras com que o contexto pode influenciar o perito criminal: um olha para uma mancha e, inicialmente, reconhece nela um vestígio; outro diz que a mancha não tem relação com um crime e dá outro contexto que influencia o primeiro a ponto de ele abandonar a possibilidade aventada inicialmente. Claro que, no exemplo, o contexto apresentado pelo pato gordo era tão verossímil que o vestígio se encaixava na descrição de natureza que ele apresentou.
E aqui cabe uma outra discussão importante quanto ao reconhecimento de um vestígio: a necessidade de o perito criminal saber o que procurar quando inicia suas buscas durante o procedimento de levantamento de local de crime. Já abordamos a máxima de Claude Bernard neste outro post, mas vale sempre lembrá-la como um mantra da perícia criminal: “Quem não sabe o que procura, não percebe quando encontra”. Se o pato magro do cartoon cogitasse que a vítima era um tomate, então talvez não descartasse a mancha como vestígio tão rapidamente. Afinal, a mancha era um vestígio verdadeiro que, na visão deles posteriormente enviesada, foi interpretado como um vestígio ilusório.
Quem diria que até mesmo uma estória em quatro quadrinhos poderia nos ensinar sobre perícia criminal!